terça-feira, 15 de outubro de 2013

O Vaidoso ignora suas Limitações! O Sábio é sempre cauteloso...


Um Jovem Cervo, que estava bebendo água num córrego de água cristalina, viu a si mesmo refletido na límpida água. Ficou encantado com as formas e arcos dos seus imponentes chifres, mas ficou muito decepcionado e envergonhado, com suas delgadas pernas.
E suspirou: “Como é possível tal coisa, ser dotado de tão desprezíveis e desajeitadas pernas, quando, ao mesmo tempo, fui agraciado com tão bela e majestosa coroa.”
Nesse momento ele sentiu o cheiro de uma pantera, que de repente saltou de dentro do mato onde estava à sua espreita, na ânsia de capturá-lo. Mas, apesar de ser mais ágil, de ter mais velocidade, os largos galhos dos seus chifres, ficavam presos nos galhos das árvores, impedindo sua fuga, para se por a salvo do seu agressor.
Desse modo, em pouco tempo, seu carrasco o alcançou até com facilidade. Então o infeliz Cervo percebeu que as pernas, das quais tanto se lamentara, com toda certeza o teriam posto a salvo do perigo, isso se aqueles vistosos e, naquele momento, inúteis e indesejáveis ornamentos de sua cabeça, não o tivesse impedido.

Moral da História: Com frequência nos preocupamos mais com o aspecto das coisas inúteis, e deixamos em segundo plano aquilo que de fato tem valor.

Fazendo uma analogia da fábula acima com a realidade educacional brasileira percebe-se que é exatamente isso que tem ocorrido ao longo dos anos. A educação holística do homem fica sempre em segundo plano. Lendo algumas reportagens constatei que no Japão, na China, na Coréia do Sul e em Cingapura, quando se fala em educação se fala em prioridade absoluta, orçamentos superiores ao de qualquer outro setor da administração pública, professores escolhidos e preparados a dedo. Metas decenais com absoluto rigor.
A grande complexidade do fracasso educacional brasileiro envolve as dimensões políticas, históricas, socioeconômicas, ideológicas e institucionais, bem  como as dimensões pedagógicas pouco amplas em relação à articulação com as concepções que caracterizam os processos e as dinâmicas em que se realizam as práticas escolares. O baixo salário do professor, a desmotivação, a falta de valorização profissional, de reconhecimento, entre outros, também tem afetado essa problemática.
Então, deixemos de ser passivos, a causa exige que sejamos ativos. Só reclamar e criticar é pura leviandade, não resolve e tampouco condiz com nossa postura de educador. Necessário se faz darmos as mãos e juntos alavancarmos uma educação proativa e empreendedora.
Ano passado, em setembro de 2013 quando fiz o pedido de aposentadoria, muitas coisas me passaram pela mente. Pra começo de conversa nunca simpatizei com os termos aposentado – inativo, são expressões usadas para quem, após um longo período de dedicação ao trabalho, por direito, deixa de prestar seus serviços ao município, estado ou federação. Aposentado – me faz lembrar uma pessoa bastante idosa, já esclerosada, incapaz de pensar e realizar algo produtivo; o termo inativo passa a ideia de alguém que não atua em mais nada, não tem mais forças para lutar, está quase morrendo.
É claro e evidente que não me enquadro a nenhuma dessas conotações que as duas palavras deixam transparecer. Continuo atuante, participativa, lendo muito, fazendo projetos e como sempre sonhando com uma educação de qualidade. Na minha história de professora me orgulha ter participado da fundação do Sindicato dos Servidores Municipais, como diretora geral do SISMUC e de uma GREVE que durou 45 dias, por um salário mais digno, contra todo tipo de perseguição política, a favor de mais respeito e valorização profissional.
Lamentavelmente, o que corresponde ao termo aposentado, é o salário que não é justo e tampouco digno de quem dedicou uma vida inteira a formação dos cidadãos do futuro. Sem falsa modéstia posso declarar com toda convicção apaixonada e comprometida com a educação.
Hoje em homenagem aos colegas professores faço uma breve retrospectiva da minha trajetória profissional e verifico bons e maus momentos. Momentos de alegrias, de tristezas, desencantos e apesar das decepções, uma pontinha de esperança.
Alegrias: receber uma criança sem saber sequer pegar um lápis e no meio do ano compartilhar com a família a alegria de vê-la lendo, ver ex-alunos bem sucedidos na vida e encontrar alguns que me reconhecem, me valorizam e guardam boas recordações, além de demonstrar carinho e amizade. Um encontro com um ex-aluno do primário me deixou bastante emocionada: Fernando Juvenal dirigiu-se ao Laboratório de Informática do Colégio Ernesto Queiroz e me pediu para fazer uma pesquisa. Justo nesse dia, por determinação da Equipe Gestora o laboratório não seria utilizado pelos alunos. Contudo, resolvi abrir uma exceção para aquele jovem que pela primeira vez procurava a internet do colégio. Grande foi a minha surpresa, quando ele perguntou: - Professora Luciene, não lembra mais de mim? Identificou-se e disse: nunca me esqueci da senhora, era muito carinhosa, dedicada e organizada.
Fiquei extremamente feliz, apesar de não tê-lo reconhecido logo, o importante é que marquei significativamente a vida dele.
Tristeza: Um aluno criado por uma avó, com sério problema de visão, na segunda série e sem saber ler. Falei com uma colega que dava aula de reforço, mandei chamar a avó, conversei com ambos e me dispus a pagar seu reforço, porém o mesmo nunca apareceu lá. No final do ano, consequentemente, foi reprovado e nunca mais o vi nem ouvi falar sobre esse aluno. Eis a questão: o que deixei de fazer por essa criança?
Desencantos: Perceber que o sistema trava a educação de qualidade, que o discurso está muito longe da prática, que a transformação social só irá acontecer a partir do momento que contarmos com cidadãos politizados, letrados de fato. Enquanto isso, a “elite intelectual” continua discursando hipocritamente e nada sai do lugar, ou seja, não há desenvolvimento. Aí eu pergunto: A quem compete de fato o projeto de transformação social?
Uma pontinha de esperança: Claro. Quando observo o povo brasileiro se articulando, se organizando, enfrentando o governo, lutando contra a corrupção, impunidade, contra todo o poder de repressão, arbitrariedade e contradições do sistema social como um todo. Não concordo com o vandalismo. Mas, convenhamos que o povo brasileiro já não aguenta mais, está cansado, esgotou a paciência, chega de desgoverno!
Encerrou o meu tempo de serviço prestado ao município enquanto educadora, mas não apagou a chama da esperança de um mundo melhor, mais justo e igualitário.
Fui pioneira de projeto político pedagógico no município, lancei a semente e hoje fico feliz quando vejo em custódia alguém trabalhando projetos interessantes. Porém, é importante entender que os projetos suscitam mudanças. Que a educação de qualidade não acontece pelos repasses dos encontros pedagógicos, pela teoria, sem prática, mas, sobretudo pela construção e reconstrução diária da teoria versus prática, do aprender, aprendendo, do fazer, fazendo, do participar, participando, do batalhar, batalhando, enfim.


              Feliz dia do Professor!

Um forte abraço a todos!

Luciene Pinto Simões Izidro.

           
           Custódia, 15 de outubro de 2013.