Um
Jovem Cervo, que estava bebendo água num córrego de água cristalina, viu a si
mesmo refletido na límpida água. Ficou encantado com as formas e arcos dos seus
imponentes chifres, mas ficou muito decepcionado e envergonhado, com suas
delgadas pernas.
E
suspirou: “Como é possível tal coisa, ser dotado de tão desprezíveis e
desajeitadas pernas, quando, ao mesmo tempo, fui agraciado com tão bela e
majestosa coroa.”
Nesse
momento ele sentiu o cheiro de uma pantera, que de repente saltou de dentro do
mato onde estava à sua espreita, na ânsia de capturá-lo. Mas, apesar de ser
mais ágil, de ter mais velocidade, os largos galhos dos seus chifres, ficavam
presos nos galhos das árvores, impedindo sua fuga, para se por a salvo do seu
agressor.
Desse
modo, em pouco tempo, seu carrasco o alcançou até com facilidade. Então o
infeliz Cervo percebeu que as pernas, das quais tanto se lamentara, com toda
certeza o teriam posto a salvo do perigo, isso se aqueles vistosos e, naquele
momento, inúteis e indesejáveis ornamentos de sua cabeça, não o tivesse
impedido.
Moral da História: Com frequência nos preocupamos mais com o aspecto
das coisas inúteis, e deixamos em segundo plano aquilo que de fato tem valor.
Fazendo uma analogia da fábula acima com
a realidade educacional brasileira percebe-se que é exatamente isso que tem
ocorrido ao longo dos anos. A educação holística do homem fica sempre em
segundo plano. Lendo algumas reportagens constatei que no Japão, na China, na
Coréia do Sul e em Cingapura, quando se fala em educação se fala em prioridade
absoluta, orçamentos superiores ao de qualquer outro setor da administração
pública, professores escolhidos e preparados a dedo. Metas decenais com
absoluto rigor.
A grande complexidade do fracasso
educacional brasileiro envolve as dimensões políticas, históricas,
socioeconômicas, ideológicas e institucionais, bem como as dimensões pedagógicas pouco amplas em
relação à articulação com as concepções que caracterizam os processos e as
dinâmicas em que se realizam as práticas escolares. O baixo salário do
professor, a desmotivação, a falta de valorização profissional, de
reconhecimento, entre outros, também tem afetado essa problemática.
Então, deixemos
de ser passivos, a causa exige que sejamos ativos. Só reclamar e criticar é
pura leviandade, não resolve e tampouco condiz com nossa postura de educador. Necessário se faz darmos as mãos e
juntos alavancarmos uma educação proativa e empreendedora.
Ano passado, em setembro de 2013
quando fiz o pedido de aposentadoria, muitas coisas me passaram pela mente. Pra
começo de conversa nunca simpatizei com os termos aposentado – inativo, são expressões
usadas para quem, após um longo período de dedicação ao trabalho, por direito,
deixa de prestar seus serviços ao município, estado ou federação. Aposentado –
me faz lembrar uma pessoa bastante idosa, já esclerosada, incapaz de pensar e
realizar algo produtivo; o termo inativo passa a ideia de alguém que não atua em
mais nada, não tem mais forças para lutar, está quase morrendo.
É claro e evidente que não me
enquadro a nenhuma dessas conotações que as duas palavras deixam transparecer.
Continuo atuante, participativa, lendo muito, fazendo projetos e como sempre
sonhando com uma educação de qualidade. Na minha história de professora me
orgulha ter participado da fundação do Sindicato dos Servidores Municipais,
como diretora geral do SISMUC e de uma GREVE que durou 45 dias, por um salário
mais digno, contra todo tipo de perseguição política, a favor de mais respeito
e valorização profissional.
Lamentavelmente, o que corresponde ao
termo aposentado, é o salário que não é justo e tampouco digno de quem dedicou
uma vida inteira a formação dos cidadãos do futuro. Sem falsa modéstia posso
declarar com toda convicção apaixonada e comprometida com a educação.
Hoje em homenagem aos colegas
professores faço uma breve retrospectiva da minha trajetória profissional e
verifico bons e maus momentos. Momentos de alegrias, de tristezas, desencantos
e apesar das decepções, uma pontinha de esperança.
Alegrias:
receber uma criança sem saber sequer pegar um lápis e no meio do ano
compartilhar com a família a alegria de vê-la lendo, ver ex-alunos bem
sucedidos na vida e encontrar alguns que me reconhecem, me valorizam e guardam
boas recordações, além de demonstrar carinho e amizade. Um encontro com um
ex-aluno do primário me deixou bastante emocionada: Fernando Juvenal dirigiu-se
ao Laboratório de Informática do Colégio Ernesto Queiroz e me pediu para fazer
uma pesquisa. Justo nesse dia, por determinação da Equipe Gestora o laboratório
não seria utilizado pelos alunos. Contudo, resolvi abrir uma exceção para
aquele jovem que pela primeira vez procurava a internet do colégio. Grande foi
a minha surpresa, quando ele perguntou: - Professora Luciene, não lembra mais
de mim? Identificou-se e disse: nunca me esqueci da senhora, era muito
carinhosa, dedicada e organizada.
Fiquei extremamente feliz, apesar de
não tê-lo reconhecido logo, o importante é que marquei significativamente a
vida dele.
Tristeza: Um
aluno criado por uma avó, com sério problema de visão, na segunda série e sem
saber ler. Falei com uma colega que dava aula de reforço, mandei chamar a avó,
conversei com ambos e me dispus a pagar seu reforço, porém o mesmo nunca
apareceu lá. No final do ano, consequentemente, foi reprovado e nunca mais o vi
nem ouvi falar sobre esse aluno. Eis a questão: o que deixei de fazer por essa
criança?
Desencantos:
Perceber que o sistema trava a educação de qualidade, que o discurso está muito
longe da prática, que a transformação social só irá acontecer a partir do
momento que contarmos com cidadãos politizados, letrados de fato. Enquanto
isso, a “elite intelectual” continua discursando hipocritamente e nada sai do
lugar, ou seja, não há desenvolvimento. Aí eu pergunto: A quem compete de fato
o projeto de transformação social?
Uma pontinha de esperança: Claro. Quando observo o povo brasileiro se articulando, se
organizando, enfrentando o governo, lutando contra a corrupção, impunidade,
contra todo o poder de repressão, arbitrariedade e contradições do sistema
social como um todo. Não concordo com o vandalismo. Mas, convenhamos que o povo
brasileiro já não aguenta mais, está cansado, esgotou a paciência, chega de
desgoverno!
Encerrou o meu tempo de serviço
prestado ao município enquanto educadora, mas não apagou a chama da esperança
de um mundo melhor, mais justo e igualitário.
Fui pioneira de projeto político
pedagógico no município, lancei a semente e hoje fico feliz quando vejo em
custódia alguém trabalhando projetos interessantes. Porém, é importante
entender que os projetos suscitam mudanças. Que a educação de qualidade não
acontece pelos repasses dos encontros pedagógicos, pela teoria, sem prática, mas,
sobretudo pela construção e reconstrução diária da teoria versus prática, do
aprender, aprendendo, do fazer, fazendo, do participar, participando, do
batalhar, batalhando, enfim.
Feliz dia do Professor!
Um forte abraço a todos!
Luciene Pinto Simões Izidro.
Custódia, 15 de outubro de 2013.
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